Doutor Alzheimer e mamãe



Briguei muito, comigo mesma, para escrever sobre a doença que Dr. Alzheimer esclareceu. É como mexer na ferida, quando está quase fechando. Como todos os fatos óbvios só se tornam óbvios, quando nos damos conta que era inevitável, aqui estou eu fazem dias, escrevendo, e como eu mesmo falo, bordando as letras para que meus sentimentos se acomodem e eu consiga colocar as idéias em ordem. Cinco anos fazem que comecei a estudar sobre a doença, e hoje, dia trinta e um de agosto de dois mil e três, completam oito meses que minha mãe está comigo em Juiz de Fora – MG.
A intenção de escrever não é só para alívio da minha alma, mas para que outros possam se beneficiar com a minha experiência. Nesse tempo que estou envolvida com a doença, quanto mais eu ouço, mais leio ou assisto a documentários, maior minha adaptação ao meu novo mundo. Já disse antes: que me sinto pega por uma nave de outro planeta e ainda não sei bem para onde vou e como chegar, mas com certeza minha mãe está comigo. Ela não tem condições de se manter a não ser com alguém que a ajude, e por hora sou eu. Quem sabe escrevendo, ajudo outros cuidadores a entender mais um pouco sobre a doença de Alzheimer?
As revistas e programas de saúde têm tentado explicar e auxiliar de todas as maneiras à família envolvida com a doença de Alzheimer, só que dificilmente conseguem, se não vivem os problemas fora do consultório, na sua pele. Na verdade, o que não se sente, supõe-se, mas não sente. A doença é sinistra, como diria meu aluno adolescente. Ela faz com que o paciente perca a memória, e tendo momentos de lucidez e afirmações convictas, poucos acreditem que esteja doente. Feliz do paciente que a tempo, tem ao seu lado alguém que descobre e consegue acreditar que ele está doente.
O cérebro vai aos poucos morrendo, mas não avisa qual parte vai morrer e nem quando, por isso você nunca sabe como estará o paciente, afinal ele não tem noção da doença, tem sensação de que acontece alguma coisa estranha com ele, sem saber discernir. Percebe só que não consegue resolver coisas simples, dirá as complexas.
Não há cognição constante, e aí começa o dilema. Alguns familiares acreditam que não há o que fazer, contar a verdade é o melhor, outros acham que é brincadeira do paciente, perdem a paciência com as coisas tolas e muitas vezes constrangedoras que o paciente faz. E esse coitado, sente, chora se envergonha sem saber resolver nada, fica envergonhado, acuado como criança pequena ou como se estivesse sendo humilhado.
Minha mãe mora desde dezembro em Juiz de Fora, mas todos os dias acha que veio do Rio, lugar onde morou muitos anos, como vai e volta para o Rio só a cabecinha dela sabe. Detalhe é que ela nunca mais foi ao Rio, desde dezembro. Aprecia artes e sempre vamos para exposições e ao cinema, lugares onde possa apreciar boa música ou bons livros e como ainda reconhece algumas amigas minhas, sempre que tenho oportunidade ela está com elas.
De uma hora para outra não sabe onde foi e nem lembra de alguma coisa fundamental. Repentinamente, surpreende com alguma observação lúcida a respeito de alguma coisa que viu, desarmando qualquer cientista. Fico geralmente esperando para responder de tal maneira que não a confunda e me convenço da história que conto, mesmo que seja muito fora da realidade, mas com coerência. Não, ao contrário, nunca e sempre procuro tratá-la como uma criança, que supervisionada pode até ajudar em algumas tarefas.
Logo que veio para Juiz de Fora, minha amiga duvidando da doença, acabou se distraindo e numa ocasião em que estava com minha mãe, deixou que usasse o fogão. Mamãe ligou todas as bocas sem usar fósforo e saiu da cozinha como se nada tivesse feito. Os anjos da guarda nesse dia trabalharam exaustivamente. Quando o médico me disse que mamãe estava mudada e eu já havia percebido o temperamento completamente diferente, foi como se eu tivesse recebido uma notícia boa. É, como se tivesse sido um presente, pois na verdade de brava mamãe passava para meiga, só que com Alzheimer… Como um feitiço da história infantil, sem possibilidades de príncipe aparecer e salvar a mocinha.
Desde o inicio, constatei que a cura não existe ainda, que até o final da doença estará sem conhecer as pessoas, em cima de uma cama, talvez vegetando. Convivo com um medo tão grande de não dar conta e de deixar minha mãe sem assistência, que a coragem cada vez aumenta mais. Brigando todos os dias pra vencer esse medo, eu até agora tenho vencido. Mas na luta contra o dito cujo, eu conto com meu marido, meus filhos e minha irmã que mora no exterior, mas sempre está me apoiando.
Entrei para o grupo de cuidadores de pacientes com Alzheimer, nos reunimos freqüentemente recebendo orientação dos médicos, psicólogos e outros profissionais interessados na causa. Fundamental para que nós, cuidadores, sobrevivamos. Em Juiz de Fora, uma vez por mês temos o encontro e semanalmente há na Universidade Federal de Juiz de Fora, na faculdade de Fisioterapia um grupo nos orientando junto à faculdade de Psicologia. Existe paciente que fica o oposto de minha mãe e a agressividade é tão grande que agride fisicamente, inclusive a pessoa que cuida dele. Celso, portador de Alzheimer, algumas vezes em seus delírios, tem certeza de que a mulher dele não é quem cuida dele, pede para que vá embora da casa e a agride dizendo que ela é estranha! Eu vejo o quanto à esposa dele sofre…
Tem outro paciente que não reconhece mais os amigos. Acredita que todos o perseguem, chegando ao cúmulo de acreditar que alguns o matarão ou roubarão seu dinheiro. Deixa alguns da própria família sem poder entrar na sua casa, e sofre muito com a possibilidade de ser traído pelos familiares. São delírios que o paciente pode ter e que muitas vezes não tendo assistência médica, passam a ser taxados de malucos. Muito triste para nós, lúcidos, que convivemos com eles, mas pior é conviver com os familiares, que por um motivo ainda não identificado por mim, ignoram a doença e deixam o paciente completamente sozinho. Caso de polícia, segundo um amigo meu. E é.
Mamãe tem fisioterapeuta e terapeuta ocupacional três vezes por semana e toma os medicamentos necessários pra que tenha momentos de distração e de tratamento. Sei o quanto ela gosta de música e sempre recomendo os CDs, para que ela ouça na hora que o profissional da saúde está com ela. Também já fez trabalhos manuais e pinturas, assim a terapeuta ocupacional diversifica as atividades e proporciona momentos agradáveis. Algum proveito há que se tirar dessa situação e acredito que estou entendendo o recado que me deram. De uma hora para outra você pode adoecer, ficar nas mãos de outros podendo ou não ser tratado com dignidade.
Por isso, enquanto somos lúcidos devemos aproveitar o dia pra a sermos e fazermos os outros felizes. Mamãe foi pega de calça curta, como se diz na linguagem popular, sem chance de desfazer mal entendidos, de dizer que amava as pessoas e de ser feliz. Passou muitos anos brigando com a própria sombra e embora sendo uma pessoa de boa índole e bom caráter, alguma coisa aconteceu, numa hora qualquer da sua vida, que embora ela não aceitasse, não soube dar marcha ré e recomeçar. Ela perdeu a oportunidade de ter sido feliz, enquanto lúcida…
Agora o mundo para ela é cor de rosa, vive num mundo de faz de conta, onde todos são bons e ela é muito feliz. Se depender de mim, ela não sai mais desse mundo do faz de conta e quando estiver em outro plano, saberá que tudo que fiz foi por amor, mesmo sem jamais termos tido a oportunidade, enquanto lúcida, de dizermos uma a outra: “Eu te amo!”
Maria Inês Duarte
Nota do Editor: Mesmo sendo um depoimento mais antigo, acredito que aprenderemos muito com as experiências de familiares, que já trilharam todo o caminho dos cuidados de uma idosa com Alzheimer. Infelizmente, mãe da Sra. Maria Inês faleceu.
Fonte: http://www.cuidardeidosos.com.br/

Alzheimer: quando nada é o bastante



Meu pai sabia o que estava para acontecer. O Alzheimer já estava em seu radar desde que o pai dele morrera da doença. Testemunhando a catastrófica deterioração de um homem que havia sido afiado o bastante para trabalhar diretamente com o general Douglas MacArthur, meu assustado pai decidiu ser um neurologista. Talvez a carreira médica pudesse protelar o que ele acreditava ser uma inevitabilidade genética. Como um eterno lembrete da ameaça, ele mantinha um cérebro atrofiado num vidro sobre sua mesa. Aquele cérebro, eu descobri recentemente, pertencia ao meu avô.
Ao se aproximar da meia-idade, meu pai começou a realizar experimentos em si mesmo, usando suplementos alimentares. Com 60 anos, ele tomava 78 tabletes por dia. Ele rastreava qualquer coisa que oferecesse a possibilidade de salvar neurônios e eliminar radicais livres: ômega 3, 6, 9; vitaminas E e C; ginkgo, alecrim e sálvia; ácido fólico; semente de linhaça.
Após se aposentar da prática de neurologia em Naples, Flórida, ele passava horas fazendo contas todos os dias. Mesmo quando eu o visitava, ele se sentava silenciosamente em sua poltrona, com uma calculadora, para verificar a precisão dos cálculos que fazia de cabeça.
“Para que você está salvando sua mente, pai?” eu frequentemente perguntava a mim mesma.
“Estou aqui agora, esperando para conversar com você”.
Em uma dessas ocasiões, ele subitamente levantou os olhos de seu jogo de sudoku e olhou para mim: ”Prometa-me uma coisa, garota”, disse ele.
“Qualquer coisa”, respondi.
“Jure sobre a Bíblia de sua avó que você colocará uma arma na minha cabeça se eu acabar como meu pai”. Ele estava falando sério.
Como você responde a um homem que viu o próprio pai limpar fezes das paredes de sua casa na Virginia? Um homem que assumiu uma segunda hipoteca para comprar o primeiro aparelho de tomografia computadorizada da Flórida? “Jure para mim”, repetiu ele.
Ele colecionava armas e as guardava trancadas a chave. E sabia que eu podia atirar, pois ele mesmo havia me ensinado. Pousei minha mão sobre a capa de couro da Bíblia, que pertencera à minha bisavó Nannie Dunlap e à minha avó Nancy Scott.
“Eu juro”, acabei dizendo. Ele acenou em aprovação.
Alguns anos depois, meu pai chegou em minha casa com uma mala cheia de suplementos. Ele dividia suas pílulas da semana em copos de papel, prontos para ingestão junto a cada refeição.
“Garota, você também deveria tomar alguns destes”.
“Por quê?” “Porque você é meu clone genético”.
Nossa semelhança física e de traços de caráter era excepcional: altos, lábios grandes, olhos azuis, sardas na pele, expressão angustiada. Exceto por nossos cromossomos de homem e mulher, quase tudo nos dois era uma compatibilidade perfeita. Meu pai prosseguiu, explicando que todos herdam uma cópia do gene APOE de cada um dos pais. O gene pode indicar uma predisposição de risco genético para o Alzheimer.
O APOE-2 é relativamente raro, e pode inclusive proporcionar alguma proteção contra a doença.
O APOE-3 é o mais comum deles, e parece desempenhar um papel neutro.
O APOE-4 indica o maior fator de risco.
“Tenho apenas 34 anos! Não posso pensar nisso mais para frente?” Ele meneou a cabeça.
De volta à Flórida, ele me enviou um kit de teste genético via FedEx, me instruindo a coletar sangue no consultório de meu médico, mas enviar os resultados para ele. Descobrimos que, assim como meu pai, eu carrego o gene APOE-3 _ significando que eu posso ou não desenvolver a doença. Porém, ao contrário de meu pai, eu terei de esperar para descobrir.
Em 2009, aos 71 anos de idade, ele fez um exame de ressonância magnética que mostrou uma “atrofia consistente” com o Alzheimer. Ele olhou para a chapa e ficou confuso pela visão de seu próprio cérebro.
Passei recentemente algum tempo com meu pai, enquanto sua esposa realizava uma cirurgia. Levei-o para visitá-la todos os dias, e, quando voltávamos para casa, eu pedia que ele parasse de chamar o nome dela a cada cinco minutos. Eu lhe servia o jantar e as pílulas nas horas indicadas. Eu limpava seus “acidentes”.
Certa tarde, enquanto ele assistia a um jogo de beisebol na televisão, entrei em sua toca e vi o muro de suplementos que ele costumava tomar _ armários e armários de pílulas, com nomes como “memoral” e “mente afiada”. Não precisaremos mais delas. Apoiei minha mão sobre o armário de armas. Também não precisaremos de vocês.
Meu pai caminhava comigo até o café todas as manhãs. A única coisa que ele dizia nessas caminhadas era: “Os hibiscos estão em plena florescência”. E o dizia dezenas de vezes. Na última manhã de minha visita, ele não mencionou as flores. Mas, quando passamos em frente a uma árvore particularmente florida, ele parou e olhou para mim.
“Garota”, disse ele, fazendo uma pausa para encontrar as palavras. Sua voz tremeu.
“Gostei muito de você ter vindo até aqui para cuidar de mim”.
Consegui me recompor o bastante para dizer: “Foi um prazer, especialmente depois de tudo que você fez por mim. Além disso, você não precisa de muitos cuidados”.
Enquanto caminhávamos, meu pai repetia sua última frase a cada cinco minutos … O mesmo tremor na voz, exatamente no mesmo lugar. A cada vez, minha resposta ficava menor e menor, até que era eu quem não tinha mais nada a dizer.
Nancy Stearns Bercaw é escritora em Vermont, Estados Unidos.
 Alzheimer: quando nada é o bastante

O idoso e a morte



Entender as alterações psicológicas que acompanham este processo contribui para uma postura mais humanizada perante o paciente e a família, além de facilitar a comunicação. Importante destacar que, independente da idade, a morte carrega consigo tristeza, ansiedade e medo do desconhecido.
A psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross observou que os pacientes terminais e suas famílias vivenciavam cinco etapas no processo de conciliação com a morte: negação, raiva, barganha por mais tempo, depressão e aceitação. Cada um destes estágios será brevemente explicado a seguir.
O estágio de negação se caracteriza pelo momento em que o paciente terminal nega que está doente, ou então é a família que o nega. Primeiramente devemos entender que a negação é um mecanismo de defesa, ou seja, de maneira inconsciente negamos aquilo que não damos conta de lidar naquele momento. E lidar com a iminência de nossa própria morte ou com a morte daqueles que amamos é muito difícil. Normalmente, após um período de negação, a pessoa começa a enxergar a realidade. É necessário respeitar este momento do paciente e da família, não se deve tentar fazê-los encarar a realidade a qualquer custo, pois eles podem não estar prontos para isto.
É muito difícil lidar com o paciente idoso e a família no estágio da raiva. Posturas agressivas para si mesmo e para com os outros, revolta e irritação intensa são esperadas neste momento. Um coisa é fato: se analisarmos friamente a situação, dá raiva constatar que sua vida ou daquele que você ama está chegando ao fim e ninguém pode fazer nada para reverter o quadro. Assim, quem convive com estas pessoas deve evitar ao máximo entrar em conflitos e aceitar os momentos de revolta do paciente, mesmo que estas atitudes sejam contrárias ao estilo de vida anterior do indivíduo.
O estágio de barganha é caracterizado pelo fato de o paciente idoso e sua família, de maneira consciente ou inconsciente, tentarem fazer trocas – seja com Deus ou com os profissionais que o assistem – com o intuito do restabelecimento de sua saúde. Pessoas nesta fase fazem peregrinações de fé, freqüentam diversas religiões, procuram práticas alternativas, fazem promessas (como, por exemplo, de oferecer ajuda financeira a uma igreja ou a alguém que necessita, busca mudar de atitude em seu dia a dia). Além desta barganha com o espiritual, algumas pessoas tentam também barganhar sua vida com o médico, oferecem presentes, pagamentos superiores aos honorários, numa forma de fazer uma troca disso tudo por sua vida.
O momento de depressão, como o próprio nome diz, é caracterizado por uma postura triste em relação ao seu estado. Ele já assimilou a gravidade da situação e sente-se triste e frustrado por não poder continuar seu projeto de vida, por ter de se separar daqueles que gosta. Por um lado, lidar com essas pessoas é mais fácil, elas não mais se opõem, não são agressivas, mas são extremamente tristes e emotivas. Por outro lado, este é um momento no qual pode haver um maior envolvimento das pessoas ao redor (sejam cuidadores, profissionais, amigos e familiares), o que pode ser prejudicial ao profissional.
Finalmente, no estágio de aceitação, o idoso em estado terminal aceita sua real condição sem raiva e sem tristeza. Ele pode aproveitar seus últimos momentos de vida perto daqueles que ama, pode querer conhecer novos lugares e se reconciliar com as pessoas com as quais outrora seu relacionamento podia estar abalado. A pessoa na fase de aceitação demonstra entendimento pelo que está acontecendo, porém com sabedoria par aceitar que neste momento nada mais pode ser feito para reverter o quadro, porém é o momento para se fazer coisas que não foram realizadas anteriormente.
Os que lidam com pacientes terminais idosos e suas famílias devem se lembrar que:
  • Estes estágios não acontecem necessariamente na mesma sequencia, alteram muito o estado emocional do idoso e da família, podendo dificultar as relações interpessoais. É necessário bom senso para acolher o idoso e sua família, respeitando sempre o momento difícil pelo qual ele está passando.
  • Nem todas as pessoas passam por todos estes estágios, portanto, nem todos irão aceitar a morte de maneira tranquila. Crenças religiosas podem ajudar influenciar muito positivamente na maneira como cada um enxerga esta situação.
  • Essas reflexões podem auxiliar todos os que lidam com o idoso em estado terminal e sua família e, principalmente, minimizar a ocorrência de problemas de comunicação e de conflitos familiares, que neste momento tão delicado dificultam muito mais todo o processo de vivência da morte.