Tributo a meus pais



Era um final de tarde e a data exata ficou gravada em mim: 23 de fevereiro de 2008. Mamãe estava sentada numa das mesas do playground do prédio acompanhada por mim, pela fisioterapeuta e pela cuidadora. Ela estava feliz, rindo das nossas brincadeiras e falando muito pouco, pois a dificuldade de se expressar verbalmente já era bastante severa. De repente, num dos raros momentos mágicos que vez por outra aconteciam, ao me ver acender um cigarro, olhou-me com uma ternura infinda e disse:
“Deixe este cigarro! Eu quero muito você!” e virando-se para a fisioterapeuta e para a cuidadora disse: “ela sabe me consolar. Ela é muito boa e faz tudo muito bem. Eu gosto muito dela. Ela cuida bem de mim e eu cuido dela. Ela é muito corajosa e faz tudo muito certo.” E voltando a me olhar nos olhos disse: “Eu quero muito bem a você!”
Confesso que as lágrimas dançaram em meus olhos e meu coração bateu forte no peito sentindo a humilde alegria de vê-la, com muita serenidade, demonstrar que percebia o meu carinho e o meu amor por ela.
Hoje faz um mês e cinco dias que ela se foi e aqui estou eu, num fim de tarde, com as minhas lembranças e a minha imensa saudade. Meu olhar passeia pela casa de paredes nuas, poltronas vazias e caixotes espalhados pelos quatro cantos. Sinto falta da companhia dela…
Mergulhada num vazio quase insuportável dou-me conta de que a presença física dela era a luz que iluminava meu coração e, mais que isso, dava–me a sensação de continuar cuidando do meu pai. Isto porque, quando em 2003 ele se foi, continuei na casa deles para cuidar dela que já estava apresentando todos os sintomas do Alzheimer. Como na época tive que me fazer forte para dar ânimo a ela, percebo claramente que só agora estou dando vazão à dor de havê-lo perdido. Loucura ou não, a sensação que me invade é de que os dois partiram juntos no mês passado.
Obrigada, meus queridos pais, pelos exemplos de força, coragem e determinação que modelaram o meu caráter e nortearam a minha vida. Obrigada por me permitirem estar com vocês e por enriquecerem meu espírito ensinando-me a ser um ser humano mais sensível, mais paciente e mais feliz.
A vida me deu dois presentes valiosíssimos: o primeiro foi ter vocês como meus pais e o segundo foi esta oportunidade de aprender com vocês dois a alegria serena da entrega e dedicação amorosa, a tranqüila aceitação da vida e a coragem de partilhar os momentos de dor. Serei eternamente grata a vocês dois por me transmitirem lições de vida que nenhuma escola do mundo pode ensinar e nenhum tesouro pode comprar.
Hoje, no silêncio desta casa vazia, fecho os olhos e ouço meu coração batendo forte ante a nítida imagem de vocês dois no momento último das nossas despedidas. Apesar da dor da minha saudade, conforta-me a serenidade que vi em seu rosto, mamãe, ao exalar seu último suspiro logo após ouvir-me mais uma vez dizer do meu imenso amor enquanto lhe afagava os cabelos. Ao mesmo tempo vejo o seu rosto, paizinho, e sinto ainda a sua mão levemente afagar a minha quando, na última noite no leito da UTI, ouviu–me cantar a estrofe final da sua canção preferida:
“Quando eu for me embora para bem distante e chegar a hora de dizer adeus, fica nos meus braços só mais um instante, deixa os meus lábios se unirem aos teus! Índia, levarei saudade da felicidade que você me deu! Índia, a tua imagem sempre comigo vai dentro do meu coração…!”
É então, meus queridos que, mesmo em meio a toda a minha inevitável dor, compreendo: vocês não se foram! Vocês estão aqui em meu coração e nos corações de quem amam e de quem lhes ama! É aí nesse cantinho silencioso que podemos continuar nos encontrando para as brincadeiras, o riso e o pranto! É nesse cantinho que sempre lhes encontrarei para me dar força na luta renhida do dia-a-dia.
E como um bálsamo a fundamentar a luz do meu entendimento, unindo frases do seu romance preferido, Iracema de autoria de José Alencar que, a seu pedido, tantas vezes e li e reli à beira do seu leito durante o ano de 2003, concluo: “Serenai verdes mares…”, serenai! pois se “tudo passa sobre a terra”, no coração da alma, a luz não morre jamais!
Fonte:http://www.cuidardeidosos.com.br/

1 comentários:

Amanda Fonseca disse...

Sandraaaa, adorei essa postagem! Linda! Estou esperando seus dados pro cartãozinho de contatos e pro cartão de visitas também. Ah, e ainda tem o seu crédito, leu meu e-mail. Vou ficar aguardando seu contato, tá?
Bjks

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